Atenas foi o berço da democracia e também do conceito de cidadania. Na pólis grega, a ideia de cidadania estava ligada à naturalidade e ao gênero, significando "filhos da pólis".
Lá, um homem ateniense teria garantida a cidadania: seus direitos e deveres políticos. No entanto, até na Antiguidade, a execução da cidadania encontrava obstáculos em fatores econômicos. Muitos dos que detinham o direito não podiam exercê-lo, visto que não tinham a possibilidade de vivenciar o ócio, pois não tinham escravos. A aristocracia era a classe que, de fato, usufruía da cidadania.
Diante disso, torna-se necessária a análise das transformações sofridas por esse conceito ao longo da história. A pergunta a ser feita é: o que é cidadania? Para os romanos, esse belo conceito foi ampliado, tornando-se uma questão que não dependia apenas da naturalidade, mas também dos Direitos Jurídicos concedidos pelo Estado Romano. Durante a Idade Média, a condição de cidadão não fazia mais parte do ideário coletivo, diferentemente da antiguidade clássica, já que a descentralização do poder modificou a lógica do Estado e a importância do ideal de cidadão foi substituída pela concepção de fiel e a noção de trindade terrestre teorizada por Santo Agostinho. Dessa forma, também no período medieval, os valores eram os de submissão e fidelidade do servo para com o senhor e com a igreja. Nesse ínterim, a cidadania foi substituída pela identidade cristã católica, sendo assim, a Igreja era quem detinha o poder normativo ou condenatório.
Com o renascimento urbano, surge novamente a necessidade de articulação do Estado. Entretanto, o primeiro contrato social, teorizado por Thomas Hobbes, representava um Estado em que um indivíduo abria mão de seus direitos à liberdade e contestação do governante em prol da convivência pacífica. Somente no Iluminismo é que a égide tirânica e ilimitada dos poderes reais foi combatida, havendo o resgate do conceito grego de cidadania. Tais ideias são a base do Estado de Direito como o conhecemos, uma herança das Revoluções Burguesas e dos filósofos Locke e Rousseau. Na Constituição Francesa do século XVIII, foram abordados o que chamamos de direitos sociais. Nela, um Estado agente do bem-estar social e da luta contra a desigualdade surge pregando a educação, saúde e segurança como direitos do indivíduo. Esses foram anexados aos direitos individuais, ou "jus naturales".
O ideal de cidadania, iniciado na Idade Moderna, foi confrontado durante a Segunda Guerra Mundial e com os horrores do nazismo. Tornou-se imprescindível a criação de um conceito global de cidadania. Dessa necessidade surgem os Direitos Humanos consagrados na Declaração Universal da ONU em 1948, adicionando-se ao ideal pós-moderno do que é ser um cidadão. Sendo assim, fica claro que o conceito está cada vez mais vinculado às mudanças nas estruturas sociais e históricas do período.
A retomada dos valores democráticos levou à valorização dos direitos do cidadão, já que a Cidadania é uma condição fundamental para a existência da Democracia. Nesse cenário, as democracias modernas ampliaram o conceito para incluir diversos grupos sociais que antes eram negligenciados, conferindo-lhe um caráter universalista. Contudo, é importante ressaltar que a garantia jurídica da cidadania não garante sua efetividade. Para que ela exista, é necessário que o indivíduo tenha consciência de seus direitos e deveres, e que estes sejam respeitados.
Na obra "Vidas Secas", de Graciliano Ramos, o Soldado Amarelo, representante do Estado, nega a Fabiano seus direitos de cidadão ao tratá-lo de forma injusta. O próprio sertanejo desconhece seus direitos e permanece desamparado em situações semelhantes às de "Fabiano". Nessas circunstâncias, não há cidadania efetiva, apenas norma jurídica, o que não serve aos marginalizados na prática. Em 1988, na data da promulgação da Constituição Cidadã, Ulisses Guimarães alertou: "a cidadania começa com o alfabeto". É por meio da educação e do conhecimento de seus direitos que surge o cidadão efetivo.
A Constituição de 1988 elevou os conceitos e práticas de isonomia, isegoria e isocracia. Esses três princípios defendem a igualdade perante a lei, o direito de livre manifestação do pensamento e da ideologia, e o direito de participação na administração pública. Dessa forma, eles são fundamentais para a manutenção da Democracia e inquestionáveis mecanismos de garantia da cidadania. Assim como em Atenas, percebemos que o conceito de Cidadania está intrinsecamente ligado ao exercício da Democracia, e que o caminho para sua consolidação foi longo. Hoje, ela é uma parte essencial do pensamento ocidental.
No entanto, sua vivência ou ausência ultrapassam os entendimentos racionais. Parafraseando Cecília Meirelles, em "Romance da Inconfidência", a cidadania é uma palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda. Viver a cidadania é compreendê-la, mas esperamos que não seja necessário perdê-la para valorizá-la.